quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Nossa Senhora da Guia em terracota

Um dos seguidores deste blog, o Eduardo, enviou-me uma imagem de uma peça em terracota, uma Nossa Senhora da Guia. Confesso que fiquei fascinado com a obra. Em primeiro lugar, porque gosto de arte sacra, em segundo pelo simbolismo algo pagão que comporta a Senhora da Guia e depois ainda pelo material, a terracota, que é um assunto sobre o qual há pouca coisa escrita.

Nossa Senhora da Guia. Registo do Museu dos Biscaínhos
Nossa Senhora da Guia, dos Navegantes ou da Estrela são diferentes nomes para a mesma forma de adorar Maria. São invocações a que os caminhantes, os marinheiros ou pastores recorrem, pois há uma associação entre estas senhoras e a Estrela da Manhã, Vénus, que serve de ponto de referência e orientação a todos os viajantes. Aliás muitas vezes a Senhora da Guia é representada com um bastão contendo uma estrela na ponta. Segundo Moisés do Espírito Santo a devoção a esta senhora mais não é do que uma reminiscência de um antigo culto pagão, a uma divindade feminina ancestral, ao qual a Deusa Vénus esteve obviamente associada.

A terracota parece ser um material de escultura pouco estudado. Encontrei apenas bibliografia sobre os presépios portugueses. Paralelamente fiz umas quantas pesquisas combinadas no Google, associando termos como imaginária, terracota, arte sacra e poucos ou nenhuns resultados obtive. Depois quando passei para a pesquisa por imagens, descubro nos sites dos museus brasileiros várias imagens em terracota, semelhantes a esta, com as bases mais largas que os corpos, parecendo suportar o peso do barro durante sua feitura. Todas elas estão atribuídas ao século XVII e foram identificadas como obras da autoria de dois frades beneditinos, Frei Agostinho da Piedade (c. de 1580-1661) e do seu discípulo, Frei Agostinho de Jesus(1600-1661). O primeiro nasceu ainda e viveu a sua juventude em Portugal, estando activo nas terras de Vera Cruz a partir de 1620, e o segundo, nado e criado no Brasil, foi um seu discípulo. Os dois formaram a primeira escola de imaginária religiosa no Brasil.

Nossa Senhora da Purificação. Frei Agostinho de Jesus. Séc. XVII, Museu de Arte Sacra de S. Paulo

Mas por que razão, a obra em terracota do nosso amigo teria semelhanças com obras de arte feitas no Brasil do noutro lado do atlântico?

Nossa Senhora da Conceição. Frei Agostinho de Jesus, Séc. XVII
Confesso que suspeitei desde logo que este tal Frei Agostinho da Piedade, sendo beneditino, tivesse sido formado no Mosteiro de Alcobaça, local onde se desenvolveu uma escola de escultura em barro muito célebre, cuja obra-prima é a representação da Morte de S. Bernardo. Um colega meu, o Anísio Franco, sugeriu-me então que consultasse o catálogo da exposição, Portugal e o mundo nos sécs. XVI e XVII. Lisboa: IMC, 2009. E de facto no catálogo desta exposição, que ficou mais conhecida pelo seu título inglês encompassing the globe, estão dois textos escritos por Nuno C. Senos, a propósito de duas esculturas em terracota atribuídas aos nossos amigos, os freis Agostinho da Piedade e Agostinho de Jesus. O autor destas entradas é de opinião que Frei Agostinho da Piedade esteve certamente exposto à tradição dos barristas de Alcobaça antes de partir para o Brasil.

Assim, já se aplicam as semelhanças entre a imagem do nosso amigo Eduardo e as peças das colecções Brasileiras. Ambas tem a marca  da escola de Alcobaça e terão sido produzidas no século XVII

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Azulejos do séc. XVIII: fragmentos de um floreiro


Este mundo das coisas em segunda mão, das velharias, dos cacos e fragmentos antigos disto e daquilo é um jogo fascinante, em que aos poucos, com um bocadinho de pesquisa aqui e acolá, vamos juntando as peças, formando um todo e reconstituindo uma pequena história.


Foi o quer me aconteceu com os restos de um painel azulejar representando vasos floridos, que comprei ao preço da chamada uva mijona a uns ucranianos na Feira-da-Ladra. Na verdade só um deles era ucraniano, o outro era português, mas, o Manel e eu arranjámos-lhe esta espécie de alcunha e assim ficaram por muito tempo. Imagino que devem ter trabalhado na construção civil e depois acharam que poderiam fazer um dinheiro extra, vendendo na feira a tralha resultante das remodelações de apartamentos e da demolição de prédios antigos.

Fiquei desde logo encantando com estes 4 azulejos, que constituíram no passado dois floreiros diferentes e quando os coloquei na parede, imaginei sempre como seriam completos.

Painel azulejar do catálogo da Aqueduto, 21 de Março de 2007

Depois, há de um mês, ao desfolhar o catálogo da Leiloeira Aqueduto, de Março de 2007, passo os olhos por um painel de azulejos pombalino e sinto qualquer coisa familiar neles. Quando o observei melhor, descobri que os dois azulejos centrais são iguais ao meu. Tenho a parte central da taça, mas falta-me o pé e as asas e depois tenho início do ramo, mas falta a explosão de flores que dali jorra.

Os azulejos que possuo marcados a preto

O Painel que esteve à venda na Aqueduto, só tinha um floreiro grande, mas este motivo poderia ser repetido vezes sem conta, conforme se pode ver na pequena montagem que fiz, uma modesta demonstração das variadíssimas combinações diferentes possíveis de fazer entre os vários padrões de azulejos.

Pequena montagem feita a partir do painel da leiloeira Aqueduto, para dar uma ideia do conjunto do qual os meus 4 azulejos terão feito parte.

Fiquei muito contente com a descoberta e agora todas as noites, para esquecer a crise miserável em que nos encontramos, antes de deitar olho para os meus azulejos e consolo-me com a visão de um painel completo e perfeito, do qual um dia eles fizeram parte

sábado, 19 de novembro de 2011

Estampa do século XVII: D. Fernando I, Rei de Portugal


Mesmo muito antigas, as gravuras continuam-se a comprar baratas. Com moldura e tudo, esta custou-me tuta-e-meia, numa feirante, que em tempos foi minha colega de trabalho na Universidade Católica. Naquela época, era muito certinha a vestir, mas deve-se ter fartado de viver em frente a um computador, atender chamadas, a trabalhar das 9 às 6 horas e por consequência resolveu virar feirante.



Comprei esta estampa, porque há tinha três gravuras que herdei, representando os reis de Portugal. Faziam parte de uma colecção maior, que se encontrava no Solar dos Montalvões, em Outeiro Seco e que foi repartida pelos vários herdeiros. Portanto, tentei no fundo, de alguma forma reconstituir um pouco dessa colecção.



Posteriormente à compra, limitei-me a mandar arranjar um passe-partout aceitável para esta estampa e pregar uns cantos de metal dourado na moldura e coloca-la junto aos Reis de Portugal, que vieram de Outeiro Seco.

Depois há uns tempos, lembrei-me de procurar saber mais sobre esta estampa, isto é, de que livro tinha sido arrancada, como já é habitual.



Fiz uma pesquisa pelas primeiras palavras da legenda Ferrandvs Portvgalliae Rex IX. vixit ann. XLIV. obiit a.o MCCCLXXXIIIb e em menos de 3 minutos estava no site da Biblioteca Nacional Digital, descobrindo a que livro pertenceu esta estampa.


O exemplar da Biblioteca Nacional

A gravura fazia parte da obra Philippus prudens Caroli V. Imp. Filius Lusitanae Algarbiae, Indiae, Brasiliae legitimus rex demonstratus, que foi impressa em Antuérpia, na officina Plantiniana em 1639. O livro foi escrito por um tal Senhor Joanne Caramuel Lobkowitz, que era um homem completíssimo, matemático, escritor, filósofo e também historiador e é basicamente um ensaio para justificar a legitimidade de Filipe II em ocupar o trono português. Por isso, a obra apresenta uma galeria de todos os reis de Portugal, do qual Filipe II é o corolário lógico e legítimo. Descobri depois que esta publicação seiscentista se encontra integralmente digitalizada na Biblioteca Nacional de lisboa e é um encanto. Podereis desfolha-la em http://purl.pt/14358/1/index.html


Foi ilustrada por bons gravadores e artistas flamengos da época. A Flandres, que corresponde grosso modo a actual Bélgica, pertencia à Espanha e os filipes não pouparam dinheiro em artistas para embelezar este libelo, que justificava perante todos, que o reino de Portugal lhes pertencia por direito.

O frontispício da obra

O Frontispício é magnifico e está assinado por Erasmus Quellinus II (1607-1678), um pintor flamengo que trabalhou com Rubens.


Natureza morta de Eramus  Quellinus

Mas o que é mais curioso, é que este retrato de D. Fernando é aproveitado de outra obra mais antiga, Anacephalaeoses id est, summa capita actorum Regum Lusitaniae do Padre António Vasconcelos, também impressa na Flandres, em 1621.

Os desenhos das gravuras da Anacephalaeoses são da autoria de outro artista flamengo, Cornelis Galle (1576-1650) e o Erasmus Quellinus limitou-se retoca-los. No caso desta estampa, a diferença entre as duas versões é o nome do Rei, que nesta versão de Quellinus está FERRANVUS em vez de Ferdinandus.

Este Senhor Galle foi um gravador e um artista talentoso, que trazia atrás de si a tradição de uma família de gravadores. Viajou para Itália onde tomou conhecimento das obras de Raphaël, Ticiano, Guido Reni e das quais executou inúmeras gravuras, mas celebrizou-se sobretudo como gravador de obras de Rubens.


Judite e Holofernes de Rubens por Galle
Aliás os dois artistas que participaram nesta obra estão os dois à sombra de Rubens, por assim dizer.

É curioso, que quando comprei esta estampas por meia dúzia de euros, não imaginei toda a história que carrega esta simples folha de papel.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Fragmento de um Santo António de Lisboa

Na minha casa povoada de cristos, virgens, santos e estampas devotas, fazia falta um Santo António. É certo que tenho uma estampa onde figura o Santo António, que se venera na Sé de Coimbra, mas não é a mesma coisa que o verdadeiro Santo António de Lisboa. O resto do mundo venera-o como Santo António de Pádua, um homem que foi doutor da Igreja, mas nós em Portugal, transformamo-lo num santo popular, afectuoso e até casamenteiro, embora essas características pouco ou nada tem a ver com o verdadeiro Fernando de Bulhões, que era um erudito.


Reparem no furinho do livro que servia paara encaixar o Menino Jesus


O Prof. Hermano Saraiva pensa que a tradição confundiu este culto com o de S. Gonçalo de Amarante, que era realmente um santo popular. E embora seja um leigo nesta matéria, não me custa nada acredita-lo, pois sei que é muito comum a devoção popular confundir e juntar dois cultos, como por exemplo o de Sta. Maria Madalena, a Arrependida, com o de Sta. Maria, a Egipcíaca, outra rapariga arrependida dos pecados da carne, que viveu no tempo em que estes pecados atormentam as mulheres e os homens.



Mas, há demasiada literatura escrita sobre o Santo António de Lisboa para me perder nestas questões de como os portugueses transformaram um homem culto, num santo milagreiro e casamenteiro. Na realidade, o que vos queria contar é que consegui comprar um Santo António na feira-da-ladra, no passado Sábado. É certo, que é apenas um fragmento de uma estatueta, mas é uma seguramente uma peça do século XVIII. Encontrei no catálogo António Capucho: retrato do Homem Através da Colecção. Lisboa: Civilização, 2005 peças muito semelhantes a este meu santo em terracota e datadas do século XVIII.
Peças da da antiga colecção António Capucho
Outras peças da antiga col. António Capucho

O meu santo está muito partido, mas tem uma expressão amável e uma decoração simples, mas elegante com uns dourados aqui e acolá, no hábito franciscano.


No livro, que representa o Evangelho, apresenta um furinho, que serviria para colocar o Menino Jesus. Segundo uma tradição antiga, certa vez, num albergue onde se acolheu para passar a noite, Santo António foi visto pelo estalageiro com o menino Jesus nos braços e é nesta lenda que assenta a esta sua iconografia tradicional.


A cabeça do santo apresenta também um orifício na cabeça, que serviria para encaixar um resplendor em prata, que ainda hei-de comprar um quando estiver mais abonado de dinheiro. Na outra mão, o Santo teria uma açucena, a flor que simboliza a pureza, mas essa terá sido a primeira a partir-se.

As Açucenas no Jardim do Manel
Esta pequena estatueta, por estar partida, permite também observar uma técnica muito antiga, da terracota. Foi ocada para permitir que no momento da cozedura não se partisse.

Pronto, já vos contei tudo do meu pequeno prazer deste Sábado. E tudo apenas por sete Euros.

O Santo António de Lisboa e os seus companheiros
Mais sobre esta peça

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Azulejos na Rua do Benformoso

A Rua do Benformoso é um sítio complicado. Mete um certo receio a quem vem de fora. Começa no Martim Moniz e termina no Largo do Intendente, zona de prostituição muito miserável.  Há uns anos, numa noite qualquer, o Manel e eu andávamos a vaguear ao acaso pelo centro da cidade e quando nos aproximámos do Benformoso, alguém nos avisou para não irmos mais além. Julgo eu que até se nos dirigiu em inglês, pensando que eramos turistas,

No entanto durante o dia não é assim tão assustador. Costumava fazer essa rua para ir do Martim Moniz até ao Largo do Intendente, onde era o meu Centro de Saúde. Naquela Rua da Mouraria, sentimo-nos estrangeiros, porque ali ninguém fala português. Todas as lojas e casas estão ocupadas por chineses, indianos, nepaleses, senegaleses e gentes do Bangladesh. Até há uma mesquita no primeiro andar de uma daquelas casinhas. No fundo, o Islão voltou a ocupar um espaço que lhe pertenceu durante muito tempo.

Aquelas pessoas que por ali circulam e trabalham causam-nos estranheza. Vêem-se muitas mulheres inteiramente veladas como nos países muçulmanos mais conservadores e e aqueles panejamentos todos até são elegantes.
O mais antigo prédio de rendimento de Lisboa

Mas além das pessoas, os edifícios de arquitectura popular Lisboeta são muito interessantes. Há nessa rua uma casa anterior ao terramoto, que se julga ser o mais antigo prédio de rendimentos de Lisboa

Um padrão incomum

E depois há a azulejaria absolutamente fantástica e invulgar. Descobri um prédio revestido com padrão de xadrez muito incomum. Nunca tinha visto nada assim.



Mais adiante outro prédio com um padrão esponjado e um friso, com uma espécie de gregas, também muito original.


São prédios aparentemente modestos, mas bons exemplos de azulejaria do século XIX e tem a graça de estarem num conjunto urbano ainda coerente.

Vale a pena ir à Rua do Benformoso ver as mulheres veladas da Ásia e os azulejos portugueses. A mistura nem fica mal.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

No céu da minha rua


Quando se mora na velha Lisboa, os fados de Amália Rodrigues soam de forma diferente do que num ambiente impessoal de uma grande urbanização dos anos 70 ou 80. Muitas das letras só se tornam realmente compreensíveis quando vamos comprar pão à rua do Capelão e na padaria está ao nosso lado uma velha prostituta, que recorda a Rosa Maria, a rosa já desflorada, que se ajoelha e reza no dia da procissão da Senhora da Saúde.

O céu da minha rua não chama, nem prende as atenções

Também da janela da frente minha casa vejo todos os dias um bocadinho de um fado da Amália. É uma rua muito estreita, sem sol, onde as pessoas vivem como numa colmeia. À semelhança do fado da Amália, os telhados abraçam-se fraternais e não deixam passar a o sol, nem o luar. Mal tal como na letra do fado, o sol não nega o troco lá em baixo a quem o estima, e quando desvio os olhos lá de baixo, da rua apertada e pouso o olhar em frente, surge-me o tejo em todo o seu esplendor, que todos os dias me devolve uma cor diferente. E essa vista reconcilia-me com o meu bairro barulhento, sujo e degradado e identifica-me com a minha cidade e o meu País.



Deixo-vos com o céu da minha rua por Amália Rodrigues:





No céu da minha rua

Da Alfama não chama,

Nem prende as intenções.

Às vezes nem a lua

Lá mora, embora

Lá chegue em seus clarões

Mutilados a telhados

Que se abraçam fraternais

E o céu da minha rua

recua, a lua
Limita-se aos beirais



Com Alfama céu não rima

Porque sempre o céu é pouco

Quando olhamos lá pra cima.

Mas o céu não nega o troco

Cá embaixo a quem se estima

Vai daí ser voz corrente

Que em Alfama toda a gente

Traz o céu no coração

É feliz por natureza

Ninguém pede mais riqueza

Que saúde, amor e pão!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Verseuse Vieux Paris


Em época de crise não há como a imagem do luxo dos dourados da porcelana e dos tecidos ricos para nos animar a alma, que tudo à nossa volta insiste em desanimar. Por isso, para que esqueçam esta crise pirosa, apresento-vos esta cafeteira de porcelana, que tenho agora praticamente a certeza ser uma produção Vieux Paris.


Uma Cafeteira Vieux Paris encontrada à venda num site de leilões on-line


Já tinha mostrado aqui no blog, este objecto, que nós designamos normalmente por cafeteira e que em França se conhece por Verseuse. Na altura, cheguei a pensar que se tratasse de porcelana russa, pois tinha visto na montra de um antiquário em Benfica um conjunto muito semelhante, atribuído pela leiloeira onde foi comprado, a uma qualquer fábrica de porcelana russa. Sabia que em St. Petersburgo existia uma manufactura de porcelana desde o século XVIII, que produziu peças de uma qualidade excelente e que essa fábrica sobreviveu durante período comunista, nacionalizada bem entendido. No entanto, causou-me uma certa estranheza a existência de peças russas em Portugal. Nunca foi um país com o qual mantivéssemos relações privilegiadas de comércio, como aquelas que experimentámos com a Inglaterra, a França, a Flandres, a Holanda ou a Itália. Depois, um dos seguidores colocou-me a hipótese de se tratar de uma porcelana Vieux Paris e uns amigos franceses foram da mesma opinião.
Outra Verseuse Vieux Paris. Reparem na asa, no bico e no formato em geral, que são semelhantes à minha cafeteira

Fiz uma série de pesquisas na net e encontrei uma série de cafeteiras nos sites franceses de leilões e antiquários muito idênticas à minha peça, bem como no Museu de Dijon. Todas elas são identificadas como Vieux Paris e datadas das primeiras décadas do século XIX, isto é do período Império (até 1815) e Restauração (até 1824). Julgo até que as peças que vi expostas na montra do antiquário também eram Vieux Paris.
Um serviço Vieux Paris com os característicos brancos opalinos e o dourados

Por outro lado a minha cafeteira ou Verseuse evidencia o estilo característico da porcelana de Paris daquela época, um branco puro, opalino, que quase recorda o vidro e a típica decoração a dourado. Não está marcada na base, o que torna quase impossível descobrir quem foi o seu fabricante, pois em Paris e na sua região existiam muitas casas que produziam boa porcelana e se copiavam umas às outras sem qualquer pejo. Mais ainda, todas elas tinham por modelo Sêvres e as suas produções luxuosas. Algumas dessas casas compravam a porcelana já cozida a outros fabricantes e limitavam-se a pinta-la. Muitas vezes as peças não eram marcadas. Portanto as identificações da porcelana Vieux Paris são quase tão complicadas como as da faiança portuguesas.

O tardoz de uma Cafeteira Vieux Paris, tirada de um site de antiguidades

O tardoz da minha cafeteira
Depois destas pesquisas estou seguro que a minha cafeteira é porcelana Vieux Paris, mas mesmo assim, sinto sempre algumas reservas, pois como já aqui referi em outros posts, as fábricas de porcelana europeia tomavam por modelo a porcelana francesa e ainda há uns tempos no site dum antiquário americano, John Atzbach, que se especializou na venda de objectos relacionados com a família real russa encontrei uma cafeteira que poderia bem ser francesa e com um formato semelhante à minha.

Cafeteira russa à venda no John Atzbach

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Um contador ao gosto do século XVII



Esta peça pertencente ao Manel é um contador e é um dos móveis emblemáticos da originalidade, que o mobiliário português alcançou no século XVII, diferenciando-o dos congéneres europeus.

Contador holandês da Casa Museu Anastácio Gonçalves

Nos Países Baixos e na Flandres também fabricaram contadores pintados muito bonitos. Em França, os marceneiros executaram os cabinets e os seus colegas espanhóis, os bargueños, móveis equivalentes ao contador.


Gabinet do Musée de Dijon

Bargueño do Palácio Nacional de Sintra

Mas os contadores portugueses, embora tenham adoptado a moda dos torneados holandeses, distinguem-se dos contadores europeus, em primeiro lugar porque não tem portas e depois porque são sempre feitos em madeira escura, o pau-santo, que vinha do Brasil.

As cores escuras do pau-santo a contrastar com as ferragens douradas.

São decorados com ferragens douradas em forma de filigrana, uma influência da Índia, que aplicados no pau-santo, uma madeira muito escura, fazem um contraste que é exclusivamente português. Um contador português não se confunde com contadores franceses, espanhóis, holandeses ou alemães. Aliás esta originalidade estende-se a todo o mobiliário português século XVII, de tal forma que o historiador de arte americano Robert Smith designou o mobiliário desse período como o estilo nacional português.



As ferragens douradas recortadas

A singularidade deste estilo do século XVII é sem dúvida consequência das influências exóticas recebidas em Portugal por via dos descobrimentos portugueses

Os contadores com a forma que vemos nesta peça do Manel foram manufacturados em Portugal a partir da segunda metade do século XVII e pelo século XVIII fora. Posteriormente, nos finais do século XIX, terá havido um revivalismo deste mobiliário seiscentista e tornou-se outra vez moda mobilar escritórios ou salas de jantar à moda do Século XVII. O contador do Manel deve ser um exemplar dos finais do século XIX, feito ao gosto da segunda metade de seiscentos.


O Saial com um anjinho e as pernas com as chamadas bolachas

O Contador como o nome indica é um móvel destinado a servir a actividade de contar. Consequentemente, apresenta muitas gavetinhas, que serviam para guardar dinheiro, valores ou documentos comprovativos de receita e despesa, notas de dívida e outros documentos de contas.


O sistema de gavetas

Este contador do Manel é chapeado a pau-santo, apresentado-se a estrutura do móvel e as gavetas em outra madeira. Sendo umamaterial muito duro, difícil de colar ou fazer malhetes com ele, o pau-santo é normalmente usado em forma de chapas, revestindo outra madeira que serve de esqueleto. O chapeado distingue-se do folheado por ser mais espesso do que as simples folhas.

Os típicos tremidos do contador português

Este contador tem também uma particularidade curiosa. Pertenceu em tempos a um ramo da família Montalvão, os descendentes do General Celestino Santos Silva, que estiveram ligados a Timor e a Macau. Depois, da morte da última proprietária foi parar a uma casa de velharias próxima ao apartamento do  Manel, que o comprou e está agora na sua casa do Alentejo.


Para quem quiser saber mais, recomendo a leitura da obra Mobiliário português: roteiro: Museu Nacional de Arte Antiga. Lisboa: IMC, 2000.