terça-feira, 9 de novembro de 2010

Nuestra Señora de la Consolacion de Utrera: uma virgem da região de Sevilha


Tive durante muitos anos este pequeno registo do século XVIII, representando a virgem espanhola de Nuestra Señora de la Consolacion de Utrera. Depois, talvez em 1992, mandei-a emoldurar a uma senhora já de idade, amiga da avô da minha ex-mulher, que sabia fazer este trabalho precioso de decoração de registos de santos com passamanaria e creio que o resultado foi bastante bom, pois a decoração escolhida harmoniza-se com o estilo ornamentado da virgem espanhola.



A gravura é de pequenas dimensões e está datada de 1771. Deve ter sido uma estampa comprada por um devoto português, que se deslocou em peregrinação aquele santuário, perto de Sevilha.

A Consolacion da Utrera foi uma das devoções mais populares de Espanha até finais do Século XVIII, cujo santuário atraiu por um período de mais de 300 anos uma multidão vinda de toda a Espanha, Portugal e ainda muitos ciganos. No geral, os peregrinos eram pobres, muitas vezes marginais e à volta da Igreja existiam sempre muitos aleijados, homens, mulheres e crianças com deficiências de todo o género, já que esta Virgen de la Consolacion tinha grande fama de curarandeira de enfermidades. Assim se explicam nesta gravura a presença de ex-votos, como mãos e pernas que rodeiam a composição.

Esta devoção a Virgem da Consolação em Utrera é muito antiga na região sevilhana. Pensa-se que a estátua original seria uma Magestade Românica, portanto sentada, numa atitude hierática e também teria pele escura, provavelmente, uma virgem Negra, semelhante à de Guadalupe, ali perto, na Extremadura. Posteriormente a imagem foi sendo alterada, colocaram-lhe uns braços amovíveis como as Santas de roca, vestiram-na com trajes barrocos espanaventosos e ganhou um barco como atributo. Este último atributo relaciona-se com o crescimento exponencial desta devoção durante os descobrimentos espanhóis.


Enquanto que o centro dos descobrimentos portugueses foi a nossa bela cidade de Lisboa, capital do País, a expansão marítima espanhola teve por centro Sevilha, que é uma cidade que está a alguma distância do mar. O principal canal de comunicação entre esta cidade era e é o rio Guadalquivir. Como as embarcações de grande tonelagem que iam ou regressavam das Américas, navegavam demasiado pesadas e podiam bater no fundo do rio, viajavam sempre sem passageiros. Estes últimos seguiam uma rota terrestre de Sevilha até à foz do Guadalquivir, que passava pelo Santuário de Utrera. Assim, marinheiros e viajantes espanhóis, portugueses, genoveses, venezianos, ciganos e índios encomendavam-se à Virgem da Consolação de Utrera antes de partir para uma perigosa viagem de travessia do mundo, ou quando voltavam agradeciam os favores da Virgem por os ter salvo das doenças e dos naufrágios. Assim, o fez no século XVI o capitão sevilhano Rodrigo de Salinas, que ofereceu à senhora um barco feito com materiais preciosos, com a particularidade de ser também um perfumador. Este objecto impressionou tanto, que aos poucos foi associado definitivamente à imagem e tornou-se um atributo inconfundível

5 comentários:

  1. Mais uma bela gravura antiga, enriquecida com um magnífico trabalho de galões e tecidos q antigamente era especialidade das freiras nos conventos, mas q felizmente tem hoje mais pessoas que se lhe dedicam. Tem graça q eu sempre pensei q o nome registo se dava ao conjunto da gravura com o arranjo a emoldurá-la, não sabia q era sinónimo de gravura religiosa ou imagem de santo(a). Como já lhe disse, adoro estas gravuras e muitas vezes compro livros antigos de cariz religioso, mais por causa das ilustrações.
    Para além da belíssima peça, tem aqui uma interessante história, incluindo a da razão do barco como atributo, muito bem contada.
    Curiosamente tenho uma tela antiga com uma Nossa Senhora de La Antigua ou Santa Maria de La Antigua q também está ligada a Sevilha e às viagens no período das conquistas espanholas da América. Hei-de mostrá-la qualquer dia.
    Um abraço
    Maria A.

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  2. Olá Luís
    Adorei a gravura ornamentada, que requinte, magnífica.
    Surpreendente é reconhecer que tem sempre surpresas deliciosas na manga, é um homem misterioso...muito!
    Confesso que desde miúda nunca dei muita importância às gravuras, talvez por serem a preto e branco, mais tarde comecei a ver em feiras registos de Santos ornamentados e nunca me deu azo a comprar nenhum. Sabe porquê? O seu é de longe o mais eloquente, belo, com uma estória deliciosa e os dourados, os enfeites tornam o conjunto gracioso com muita harmonia e sapiência na arte de saber fazer.
    Parabéns, digno de Museu!
    Beijos
    Isabel

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  3. Cara Maria andrade

    Creio que se dá o nome de registo de santo à folha volante, vendida separadamente, em oposição, à gravura retalhada de um livro. Agora o registo poderá ser ornamentado ou não com os galões, os passamanes e as franginhas.

    Também se usa registo, para um painel de azulejos com a imagem de um Santo.

    A Sociedade Martins Sarmento designa estas gravurazinhas de Santos como registos. O Matriz designa indiferenciadamente por "registos de santos" quer as gravuras, quer as gravuras emolduradas.

    Fico à espera do post sua Santa Maria de La Antigua

    Abraços

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  4. Cara Maria Isabel

    Não sou nada misterioso, por muito que o adjectivo me agrade. Tenho só a mania dos santos, da arte sacra dos dourados e damascos vermelhos. Tenho um gosto um bocado eclesiástico que herdei da minha avô Mimi e apurei na Feira-da-Ladra

    Sabe uma coisa? O meu pai dizia sempre que não se tendo dinheiro para boas pinturas originais, deve-se comprar gravuras antigas, que são relativamente baratas e são de “época”. Para ele, o pior de tudo era ter em casas reproduções da Mona Lisa, de quadros do Rubens ou de naturezas mortas do Murillo. Cresci a gostar de gravuras e de facto são uma boa opção para decorar uma casa com um certo estilo para os coleccionadores pobrezinhos como nós.

    Beijos

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  5. Gosto muito deste teu registo e este possui um belíssimo trabalho de passamanaria, sem ser demasiado sobrecarregado, como por vezes os vejo à venda ... ele são franjas, galões, dourados, contas, prateados, florinhas, escamas, fios, enfim, um sem número de decorações que retiram a atenção do essencial, que é afinal a imagem de devoção.
    Neste teu a decoração é contida e feita com o intuito de valorizar o tema central.
    Por tua causa já tenho mais registos do que o que é aconselhável para a saúde das paredes, rápido terei de lhes dar destino, guardarei uma meia dúzia e o resto se verá!!! :)
    Manel

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